quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

A bailarina de madeira

Dei corda novamente na caixa de música.

Lá fora bichinhos de luz rodopiavam no alto do poste. Abri a janela, me debrucei. Noite de estrelas e lua alaranjada. O céu merecia a minha atenção, eu o admirei até o meu pescoço doer. Não queria conversar. Meus pensamentos eram a minha fortaleza para o resto das coisas. Rejeitei o jantar mais uma vez.

Lembrei-me do livro que li ontem, ele falava sobre construir castelos... Como pode? Eu nunca havia percebido os meus...

Como pude recusar seus olhos chorosos?

A caixinha de música parou, a bailarina de madeira perdeu a sua graça. Ouvi a canção de um grilo solitário, não muito distante.

Sentei-me na janela. Aos poucos, as luzes se apagaram... Uma inquietação se instalara em mim. Era ela. A moça de sorrisos descompromissados, cabelos cacheados. De perfumes franceses, boca vermelha, tantos cigarros e ex-namorados. A menina da casa de frente.

Vi cortinas entreabertas, escuridão lá dentro. Mas e ela? Estará dormindo nesse momento? Lembra-se de mim enquanto espera o sono?

Sai da janela, apaguei a vela. Abri a porta do quarto tentando não fazer barulho. Olhei para fora, o corredor era sombrio. Abafei meus passos, desci as escadas. Fui para o jardim. Meu coração batia ligeiro. Atravessei a rua, pulei o muro. Embaixo da janela, à meia voz, chamei pelo seu nome.

- Cristina...

Ela surgiu. Lençol enrolado no corpo, olhar surpreso. Encontrei seu sorriso escondido, imperceptível para o mundo. Eu sentia um formigamento me tomar pelas pernas. Algo engoliu as minhas palavras. Eu não consegui lhe dizer nada. Só silêncio.

- Vai pra casa Aninha, está tarde, murmurou ela. Vá logo menina, disse firme.

Corri dali. O portão bateu, mas antes de entrar em casa, olhei para trás. Cristina estava lá, graciosa. Guardava um sorriso para mim.

Entrei.

Meus pés estavam sujos de terra, não me importei. Deitei-me em paz.